terça-feira, 17 de junho de 2008

Teus Olhos no Espelho





























René Magritte - Retrato de Edward James



Teus Olhos no Espelho

Por que você existe se não posso sê-la?
Lascivos sonhos perdidos em acordes diurnos
Foi-se embora a concretude onírica
Ficou o desejo real

Ah, se eu me pudesse
Se eu pudesse ser-me
Eu seria tu
Olhar no espelho sempre
E mergulhar em ti

Uma traição bela
Um destino contido, mas sentido
Tua totalidade é proibida
Teus sonhos, incomunicáveis

Ah, se as palavras não fossem barreiras
Ah, se o verbo fosse ação
A emoção projetada
O sentido anômico

Não precisaríamos de dicionários
Ou salas de cinema
Dia dos namorados
Ou tardes de domingo

Seríamos apenas
Seríamos sós
Seríamos apenas nós
Sem verbo, sem nome, sem voz

Mas essa prolixidade temporal
(Quase tempestade)
Venta-me contra o destino
E o sem-fim do desamor
Corrói-me o fígado
Com seus beijos etílicos
E seus coitos sem filhos

Apaguem, apaguem, apaguem
Apaguem essa luz
Que cria tantas sombras
Apaguem tudo, apaguem todos
Deixem-nos sós
Apenas nós
Sem corpos, sem almas
Escuridão calma
Indiferenciação

Um beijo eterno, terno, lerdo
Apressado, sem tempo, lento
Apertado, sem espaço, infinito
Somo-nos
Enfim um fim
Universalmente abraçados
Singularidade

Teus olhos no espelho
Corporalmente desalmados
Espiritualmente descarnados
Não há eu ou você

Não somos sem sermo-nos



26/05/07

2 comentários:

JacqSR disse...

Se sente desalmado, desama...

A foto nova do principal é linda!

Bruno disse...

Belíssimo poema... Singularmente singelo. Profundo é o momento em que a solidão inebria e inspira - quiçá libertador.

A con-fusão entre o eu e o outro é lampejo da con-fusão entre o eu e o Ser. Que buscamos, senão a unidade perdida?