sexta-feira, 4 de julho de 2008

Do mar

Ouvi o oceano dissolver-se na areia da praia.

Não, não consigo. Em verdade, estas rápidas palavras, que com tamanha prontidão descrevem o fenômeno, me são insuficientes. Não é de minha pretensão reproduzir aqui, através da descrição, o ato quotidiano e portanto imperceptível ao coração humano, que com indiferença rebate a indiferença do cego testemunho da existência, espelho de prata de ignorada presença.

Como se me seria possível expressar o horror, ao perturbar a estrutura que ora me sustenta de forma tão débil como tem se mostrado nos últimos tempos, ao me pôr nu, carente de símbolos, contra este espetáculo que manifesta hoje o que ocorre desde antes do início das eras, e que nos faz ajoelhar, humildes, ao promulgar a sentença que nunca poderemos nos desgarrar?

Esse imortal sentimento de mortalidade...
A fúria da vida resistindo-se contra a areia e, como ato final, se dissolvendo nela.

Tudo ser dissolvido em nada, e apenas restar o chiado da serpente que nos atormenta na infinita noite de esparsas estrelas e a leve brisa a nos acariciar o rosto, tranqüilizando a inquietude e perplexidade que preenchem as artérias vazias da consciência. E depois o silêncio e, enfim, aquilo que lhe antecede.

Não. Nada disso poderia, em verdade, expressar o que testemunhei, senão a sentença inicial. Retomemo-la.

"Ouvi o oceano dissolver-se na areia da praia".

2 comentários:

JacqSR disse...

Lindas noites de esparsas estrelas e a leve brisa a nos acariciar o rosto, tranqüilizando a inquietude e a perplexidade que preenchem as artérias vazias da consciência!

A todos nós o que merecemos...
um pouco de alegria e um pouco de boa poesia!

Dionísio de Oliveira disse...

quem és tu, ó Pigmaleão Inalado?