terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O barco

Olha o barco, meu bem, lá no fundo. Onde? Lá onde a terra há de comê-lo, lá no fim dela, onde começa o sem-fim do mundo. Ainda não posso ver, bem. É que pra isso tens que fechar os olhos assim. Assim? Exato. Agora vês a sombra que projeta na água? Vês a cor ocre de suas madeiras escuras e limosas, ouves suas velas a mastigar o vento e cuspir andanças? E olha as pessoas lá dentro, amor. Suas bocas de esforço, suas cores, suas peles luminosas de sol, seus braços controlando as cordas e o timão, as vontades brancas luzindo as caras, lembranças dum amanhã enternecido adentrando robustos esposas deixadas nas casas, mulheres, lascivas criadoras de filhos chorosos cheirosos a banho. Mulheres, a razão de estarem ali longe, longe delas. Olha, agora recolhem as redes. E o que pescam, querido? Pescam sonhos. Pescam sonhos de mundo, sonhos meus e seus, sonhos de ninguém. Pescam a casa do projeto, o filho que teremos, pescam nuvens, pescam morte. Mas sobretudo pescam mulheres. Sobretudo pescam mulheres.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Sociedade do Espetáculo (trechos) Guy Debord

"No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso."

"...a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo no real.
Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente."

"Onde o mundo real se converte em simples imagens,
estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações
eficientes típicas de um comportamento hipnótico.
O espetáculo,
como tendência para fazer ver
por diferentes mediações especializadas o mundo
que já não é diretamente apreensível,
encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado
que noutras épocas foi o tato"

"O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões.
A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral."

"O homem alienado daquilo que produz,
mesmo criando os detalhes do seu mundo, está separado dele.
Quanto mais sua vida se transforma em mercadoria, mais se separa dela."

"O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada."

"A prática social, diante da qual surge o espetáculo autônomo,
é também a totalidade real que contém o espetáculo."

"Assim, toda a realidade individual se tornou social e diretamente dependente do poderio social obtido. Somente naquilo que ela não é, lhe é permitido aparecer."

"Nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado.

Feuerbach"

ps.: Só pra passar pre frente algo q me fez refletir e que pode fazer outras pessoas pararem para refletir... ou não rarararara

Tango do Covil por Chico Nuarque


Ai, quem me dera ser cantor
Quem dera ser tenor
Quem sabe ter a voz
Igual aos rouxinóis
Igual ao trovador
Que canta os arrebóis
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Deixa eu cantar tua beleza
Tu és a mais linda princesa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser doutor
Formado em Salvador
Ter um diploma, anel
E voz de bacharel
Fazer em teu louvor
Discursos a granel
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Tu és a dama mais formosa
E, ouso dizer, a mais gostosa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser garçom
Ter um sapato bom
Quem sabe até talvez
Ser um garçom francês
Falar de champinhom
Falar de molho inglês
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
És tão graciosa e tão miúda
Tu és a dama mais tesuda
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser Gardel
Tenor e bacharel
Francês e rouxinol
Doutor em champinhom
Garçom em Salvador
E locutor de futebol
Pra te dizer febril
Bem-vinda
Tua beleza é quase um crime
Tu és a bunda mais sublime
Aqui deste covil


ps.: Esta aqui é para as "nossas" mulheres psi...
amigas e companheiras,
amantes ou namoradas,
irmãs de consideração ou professoras no papel,
indepente da relação que temos com elas
elas sempre serão a menina dos nossos olhos
e alegria da nossa semana.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

De CIEN SONETOS DE AMOR

Sabrás que no te amo y que te amo
Puesto que de dos modos es la vida,
La palabra es un ala del silencio,
El fuego tiene una mitad de frío.

Yo te amo para comenzar a amarte,
Para recomenzar el infinito
Y para no dejar de amarte nunca:
Por eso no te amo todavía.

Te amo y no te amo como si tuviera
En mis manos las llaves de la dicha
Y un incierto destino desdichado.

Mi amor tiene dos vidas para amarte.
Por eso te amo cuando no te amo
Y por eso te amo cuando te amo.

(Pablo Neruda)

Tempo

Como se mede o tempo?
O tempo se mede? Pode ser medido?
Em quanto tempo o tempo passa?
Quando ele corre e quando ele tarda?
Um segundo de paz é muito tempo ganho.
Um segundo de tristeza pode ser muito tempo perdido.
Um segundo com quem se odeia é sempre muito.
Um segundo com quem se ama é sempre muito pouco.
O tempo nao é cronológico,
nao passa no relógio,
nao corre ou tarda entre os ponteiros.
O tempo tao pouco é lógico.
Afinal, que lógica ele segue, se sequer faz sentido?
O tempo é sentido.
Nós o damos sentido.
E este depende se ele corre
Ou tarda.